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SOBRE O PROJETO

Visível marca de um riscado inesperado

Pra lembrar e nunca mais esquecer

Visível marca de um riscado inesperado

Pra lembrar o que lhe aconteceu

 

Ficar bem desenhado só pra ser bem lembrado

Risco do erro, mal visto, mal quisto e mal olhado

Mas essa daqui me traz uma boa lembrança

não preciso esconder

Mas essa daqui me traz uma boa lembrança

não vou mais esquecer

 

Seja como for

Eu me lembrarei

Seja onde for

Não esquecerei

 

Trecho de "Cicatriz" - Nação Zumbi (Jorge Du Peixe/Dengue/Lúcio Maia/Pupillo)

 

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Sobre nossas marcas

As cicatrizes surgem nos nossos corpos de forma inesperada. E esses desenhos, frutos do tempo, da história, das experiências, são a marca viva da nossa memória. Pense sobre o seu corpo: aquela cicatriz que você tem no joelho, ou no braço, ou em qualquer outro lugar do corpo, por que ela está ali? O que ela conta? Cicatrizes são muitas vezes marcas indesejadas, que fogem ao que em geral se chama de um corpo belo. Mas ela existem, todos nós as temos. Grandes ou pequenas, elas fazem partes de nós. Somos ensinados a, muitas vezes, não gostar delas, a escondê-las, mas há muita força nessas marcas. Elas são o símbolo do que vivemos.

 

Este projeto surge com o intuito de contar essas histórias e de mostrar a beleza que existe nelas e nessas marcas. Independente do motivo pelo qual tal cicatriz existe, ela pode ter um significado extremamente importante para quem a detém, e mostrar isso é importante. Quando pensei na estética das fotografias, um das maiores preocupações é que elas fossem leves, que mostrassem que aquelas marcas podem ser vistas de uma forma bela, assim como as histórias que as acompanham. Eu quis trazer para essas marcas e histórias uma atmosfera aconchegante, com cores quentes, que pudéssemos ver as diversas texturas, cores, formas de se contar, tons e voz. Tornar essas pessoas próximas de quem entra em contato com o projeto era muito importante. Afinal, é preciso mostrar que podemos ser felizes com as marcas que temos e que valorizá-las faz parte do processo de entendermos quem somos, qual a nossa histórias e como ela forma a pessoas que somos hoje. Como essas marcas são a resistência das nossas memórias nos nossos corpos e como é bonito contá-las e mostra-las. As pessoas que participam do projeto estavam dispostas a se abrir e partilharem comigo essas intimidades, que agora são públicas e que certamente irão inspirar outros(as) a verem as suas da mesma forma. Quando você olha para o seu corpo, quais são os momentos da sua vida que estão encerrados nessas cicatrizes? E o mais importante: o que essas marcas dizem sobre você?

 

Do surgimento da ideia

Durante a graduação, na disciplina de fotojornalismo surgiu o tema resistência, que deveria resultar em um ensaio fotográfico. Pensando sobre o que fotografar, me atentei ao meu próprio corpo. No meu braço esquerdo há uma cicatriz. Uma cicatriz com uma história marcante para a minha história. O que é a cicatriz, senão a resistência da memória na pele? É a marca perene do que aquele corpo viveu. A marca física de um tempo passado, seja ele distante ou não. À época, realizei uma pequena versão deste projeto, somente com fotografias. Concluído, porém, o formato se mostrou insuficiente: eu precisava trabalhar esse tema com mais do que imagens. A ideia ficou em mim, esperando o momento de ser executada de uma maneira que pudesse contar histórias. Agora apresente essa ideia concretizada, uma junção de fotografia e memória contada.

 

Trago pessoas que abriram seus corpos e intimidades físicas e sensoriais para que este trabalho se realizasse. A elas eu só tenho a agradecer. Sinto que foi uma troca mútua que se concretiza aqui e se abre para que outras pessoas possam entrar em contato com essas marcas e, quem sabe, com elas se identificarem.

 

O processo

Quando comecei a amadurecer a ideia deste trabalho e pensar em como eu selecionaria os participantes, mantive dois critérios simples: a cicatriz precisaria ser minimamente visível, por questões técnicas, e junto disso, a história a ela atrelada precisaria ter um significado importante para a vida de quem detivesse aquela marca. Interessavam-se as histórias, como aquelas pessoas lidavam com aquelas marcas, independente do tamanho da cicatriz. Eram simples critérios. Eu queria pessoas que quisessem compartilhar suas histórias comigo. Simples assim. 

Em um primeiro momento, várias pessoas apareceram, dispostas a dividir sua intimidade com uma estranha pelo simples fato de terem se encantado com o tema. Isso para mim já era bastante importante. Por meio de pré-entrevistas, selecionei um conjunto de cicatrizes que, de certo modo, pelos locais onde haviam se surgido nesses corpos,  formavam um outro grande corpo. Atentei-me também ao teor das histórias. Muitas histórias de infância, ou muitas de cirurgia, por exemplo, poderiam acidentalmente enquadrar o projeto em uma temática específica. Eu intuito era que ele fosse diverso.

 

O segundo passo foi fotografar essas intimidades, ouvir e registrar essas histórias. Os cenários foram diversos: lugares que aliassem boas opções estéticas e que, ao mesmo tempo, fossem confortáveis para que o fotografado-entrevistado pudesse posar e falar. Por vezes fotografei em suas próprias casas, em parques, centros culturais, banheiros e até em um cinema. A partir das memórias gravadas em áudio foram retirados os excertos das histórias aqui presentes. Procurei manter no texto o jeito como essas pessoas se expressam, com abreviações, expressões próprias. Essa escolha tem relação direta com a vontade de tornar essas personas mais próximas do leitor, além da busca por exprimir, também na escrita, suas personalidades. 

 

O formato

A escolha por um formato multimídia tem um motivo principal simples: tornar o projeto acessível. A mim não interessava que ele ficasse restrito a uma biblioteca, mas sim que pudesse ser facilmente acessado, visto, lido e ouvido. A união entre imagem e texto, como dito anteriormente, foi necessária para que o projeto pudesse ser contado, para que essas memórias fossem compartilhadas e, assim, outras pessoas pudessem com elas se identificar. Porém, eu queria também que essas voes fossem ouvidas. Com suas entonações, risos, choros, pausas, ansiedades. Que essas personalidades chegassem mais perto do leitor(a)-ouvinte e ele(a) pudesse imaginar quem é são as pessoas por trás daquela memórias, daquela marca. O quanto delas pode haver em mim, em você? Para mim, com essas vozes, o projeto se tornaria ainda mais humano e acredito que isso se concretizou. Faço um convite aos que acessam para que leiam, vejam e ouçam este projeto e pensem sobre suas marcas e as belezas que elas encerram: histórias de vida, memórias vivas daquilo que vivemos.

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