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Verdi Tavares

  • Foto do escritor: Sofia Calabria
    Sofia Calabria
  • 24 de nov. de 2016
  • 2 min de leitura

Estávamos em casa eu, minha falecida mulher, minha filha, o namorado dela, escutando Jimi Hendrix e fumando um baseadinho. De repente eu comecei a evacuar e a vomitar. Tudo quanto é líquido começou a sair do meu corpo. Naquele tempo meu pai era vivo. Nós éramos beneficiários do Hospital Municipal aqui na Vergueiro. Vieram, me entubaram e me levaram pro hospital. Quem tava me aguardando no hospital? Senhor Jesus. Cabou de limpar meu intestino, me anestesiou, abriu minha cabeça. Um aneurisma no cérebro. Dada a gravidade do que ocorreu, após a cirurgia o médico que me operou chamou meu pai e falou “olha, infelizmente o caso dele é terminal. O senhor vai ter que contratar um enfermeiro ou fazer um curso. Algo pra cuidá-lo porque ele vai ficar em estado vegetativo. 89. 90, 91. Passaram-se dois anos. Um dia eu abri os olhos e vi meu pai. Falei “ô papai! Que aconteceu?”. “Ah senta aqui que eu vou te fazer um chazinho”. Os médicos disseram que eu não voltaria mais. Passaram-se alguns meses, eu retornei no hospital. Falei, “aqui tá minha identidade. Por gentileza, uma declaração dos senhores de que eu fui operado de um aneurisma pra eu dar entrada numa aposentadoria, que tá me fazendo falta”. “Ah o senhor vai desculpar, mas foi desativada a área de neuro do hospital”. Falei, “bom, mas tem os arquivos. Eu fui operado aqui”. “Ah, foram desativados os arquivos”. Que eu tenho que fazer? Tenho que coçar meu bolso, constituir um advogado. Dada a precariedade do judiciário aqui eu não fui. To perdendo né. Mais de 20 anos. Deve ser passível de uma indenização isso, né? É o meu direito. Roubam tanto, levam tudo. Pra mim, quando eu olho no espelho e visualizo a cicatriz, me remete a um tempo que pra mim não existe. Eu fiquei dois anos em estado vegetativo. Eu não tenho recordação de nada. E mais, o médico avisou meu pai que seria possível que a minha memória apagasse todos os meus registros anteriores. Já pensou que fatalidade? Você acordar sem saber de nada? Mas não ocorreu isso, graças a Deus. Você viu como eu trouxe Deus na nossa conversa? Posso abreviar? Você sabe o que é milagre ou não? É um milagre. Pô, e eu tô insistindo com a morte. Já percebeu que pelo meu relato eu vivo procurando a morte. Já faz 50 anos que eu uso drogas. E agora tô viciado em crack. Essa fatalidade. Ah sim, quero agregar! Fiquei honradíssimo de tê-la conhecido. Agregou uma qualidade para o fim da minha vida que vou levar para o túmulo. Diálogo é como ir e vir, né?




 
 
 

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